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From one addiction to another
Nelson Feldman (Genebra, Suiça)
Psicanalista. Membro da New Lacanian School (NLS) e da Associação Mundial de Psicanálise (AMP), responsável pelo TyA em Genebra, atual Presidente do Bureau de l’Asreep-NLS, trabalha no Hospital Universitário de Genebra.
Resumo: O trabalho revisa a noção de “fixação” freudiana, para localizar o elemento em comum entre o sem números de adições existentes na atualidade.
Palavras-chave: psicanálise, adições, fixação, gozo.
Abstract: The paper deals with the concept of fixation in the freudian psychoanalysis in order to reveal the common element within the innumerous addictions of our times.
Keywords: psychoanalysis, addictions, fixation, jouissance
A proposta para este texto é abordar o conceito da Fixierung freudiana e de seus laços com as adições.
A fixação a uma fase libidinal foi uma das acepções do termo “Fixierung” em Freud (FREUD, 1905). Em psicanálise, o termo fixação caracteriza o modo de apego da libido à organização das fases da evolução segundo a teoria da sexualidade infantil presente no texto “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”. É nesse texto que Freud evoca a fixação oral, anal e fálica.
A fixação testemunha o peso do passado (regressão) e a dificuldade para descolar-se dele. Esse termo está mais presente na primeira tópica e na segunda é citado nas fases de regressão do tratamento psicanalítico. Esse conceito remete à predominância de um modo de satisfação, o que podemos transpor para certo modo de gozo.
Em seu texto de 1938 sobre os complexos familiares, Jacques Lacan evoca os impasses no complexo de sevrage: “o desmame é um traumatismo psíquico cujos efeitos individuais, anorexias mentais, toxicomanias orais, neuroses gástricas, revelam suas causas à psicanálise” (LACAN, 1984, p. 27-34). Por acaso essa não é uma maneira pela qual Lacan aborda a fixação oral? Ele faz referência ao “envenenamento lento de toxicomanias orais” e à anorexia mental como um retorno à mãe através da morte. Uma maneira de evocar certas formas clínicas com uma tendência mortífera.
Deslocamentos: de uma adição a outra
Em certos casos, a constância do objeto de adição pode verificar-se com o consumo compulsivo de um único tipo de substância (“minha droga”). No entanto, atualmente, constata-se na clínica que os sujeitos aditos consomem várias substâncias em suas trajetórias aditivas ainda que uma delas possa ocupar o lugar principal.
Em outros casos, a constância pode referir-se a um modo particular de consumo: injetar-se nas veias, fumar ou inalar, beber ou cheirar.
Na Europa dos anos 80, a adição à heroína ocupou um lugar central na cena da toxicomania endovenosa. Posteriormente os consumos foram mudando e se estendendo a outras substâncias como a cocaína, inalada a partir dos anos 90, e, a partir do ano 2000, a expansão das novas drogas sintéticas.
Em certas situações clínicas, um sujeito adito deixa de consumir uma substância da qual era dependente e os terapeutas que trabalham com ele podem pensar que o tratamento tenha sido eficaz. Porém, pouco tempo depois, comprova-se que, logo depois de ter deixado o álcool, o sujeito prossegue sua adição de outra maneira: com outra substância, com o uso compulsivo de tranquilizantes ou com outra adição. A adição foi deslocada de um objeto para outro, o tratamento pode ter favorecido uma mudança, porém a modalidade aditiva persiste de outra maneira. Pode-se por à prova se esta nova adição é menos autodestrutiva ou não, pois pode implicar algum tipo de deslocamento nos riscos e no modo de satisfação e de gozo, o qual deve ser analisado caso a caso.
No caso dos tratamentos de substituição com heroína sintética, os pacientes tratados nesses centros entram em um dispositivo médico de consumo regulado, e relatam que o efeito próprio da substância é muito menos intenso, apesar de uma pureza maior que a da droga da rua: não é o mesmo gozo, algo foi perdido (FELDMAN, 2014, p. 41- 44).
As novas adições
Em editorial da revista La cause freudienne sobre a experiência dos aditos, Marie-Hélène Brousse afirma que o significante “adição está na boca de todos, brilha no discurso contemporâneo, substitui paixão ou hábito e é sintoma do imperativo de gozo” (BROUSSE, 2014, p.5-6). Ernesto Sinatra, com sua teorização a respeito da toxicomania “generalizada”, também nos aproxima dessa “multiplicação dos coquetéis infinitos de drogas oferecidos ao consumidor” (SINATRA, 2010, p. 13-14).
Na clínica se verifica uma nova apresentação de sujeitos que se apropriam desse significante e procuram tratamento por “adições sem substância”: jogo patológico, ciber-adições, adições sexuais (hypersexuality), compras compulsivas, workaholics, dependências “afetivas”. É o campo que as recentes lições de TyA denominam as adições.
Qual é o ponto em comum dessas modalidades tão diversas? O gozo repetitivo é o ponto em comum que reúne modalidades tão diversas, com a queixa de perda de controle e o componente compulsivo. Em todas elas verifica-se um efeito no corpo através da sensação de gozo que proporcionam: o efeito de antecipação e excitação (craving), a tensão que precede a prática, seguida da sensação de descarga. O corpo participa de maneira diferente, pois não é comparável uma injeção endovenosa com uma máquina caça-níqueis. Porém, sim, há uma fixação a uma modalidade aditiva que remete a um circuito de gozo e à compulsão à repetição. Há então uma substância gozante (substance jouissante) ainda que se as denomine adições “sem substância”. Jacques-Alain Miller lembra que “o gozo repetitivo, o gozo da adição é o que Lacan denomina o sinthome, correlativo da adição” (MILLER, 2011, classe de 23 de março).
A função subjetiva para cada sujeito é o que permitirá precisar o singular dessa prática e a construção do caso. Essa clínica do caso a caso é o que permite não cair na generalização de um tratamento uniforme para todos. A clínica poderá avançar a partir dos significantes que cada sujeito traz em resposta à proposta do analista de trabalhar a partir de sua palavra. Para os sujeitos que consultam por uma mesma modalidade aditiva, a função pode ser muito diferente.
Um caso
Mr L vem à consulta por uma “adição às imagens pornográficas”. Diretor de uma empresa, sente-se oprimido pela compulsão a olhar imagens homossexuais, não somente nos momentos livres, mas também em seu lugar de trabalho, durante as pausas, no sanitário, ou inclusive enquanto conduz seu veículo. A perda de controle em ficar vendo cada vez mais essas imagens, o impulsiona a consultar o analista. Vem com uma pergunta: por que essa fixação?
Há anos, fez uma escolha homossexual e mora com seu parceiro por quem se sente atraído, ainda que não tenha relações com a frequência que desejaria. Através do trabalho em sessão, rememora alguns detalhes familiares: seu irmão mais velho, com transtornos psíquicos severos, se masturbava em sua presença. O fato de falar dessa contingência não teve um efeito resolutivo, porém, sim, aportou ao sujeito, através do trabalho associativo, a possibilidade de abordar certa fixação a um gozo que o invade e de reconhecer certos significantes que puderam participar da escolha das imagens. Esse trabalho associativo traz um olhar sobre suas práticas e a compulsão repetitiva a esse modo de gozo. O esforço por falar e interrogar-se trouxe-lhe certo alívio e ajudou a atenuar o transbordamento pulsional. Ao mesmo tempo, revelar certo sentido não é resolutivo desse tipo de compulsão. Como assinala J.-A. Miller: ”diferente do sintoma, o sinthome não é correlativo de uma revelação senão de uma constatação” (MILLER, 2011) e está por fora do saber e do sentido, dificuldade maior nesta clínica.
Resta outro ponto central: que tipo de gozo proporcionam essas imagens: aceder e realizar fantasias inconscientes, uma satisfação escópica através do olhar? A pulsão escópica tem seus pontos de fixação e um transbordamento pulsional. São questões a elucidar.
Como Freud assinala na Interpretação dos sonhos, sempre haverá um resto impossível a interpretar, “um ponto obscuro”, e esse resto de real por fora do sentido está presente na clínica das adições (FREUD, 1987, p. 446).