EDITORIAL

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Elisa Alvarenga (Belo Horizonte, Brasil)
Analista Membro da Escola (AME) da Escola Brasileira de Psicanálise (EBP) e da Associação Mundial de Psicanálise (AMP)

Após a inauguração da Revista Pharmakon Digital com o tema “Imagens e intoxicações”, que privilegiou as adições contemporâneas ligadas ao “império das imagens”, este número de Pharmakon Digital endossa a proposta – formulada por Mauricio Tarrab ao final do II Colóquio Internacional da Rede TyA, que aconteceu no dia 3 de setembro de 2015, na véspera do VII Encontro Americano de Psicanálise de Orientação Lacaniana – de retornarmos à questão da especificidade da toxicomania entre as adições: o que podemos dizer da fixação de um sujeito ao objeto droga? Haveria uma especificidade da toxicomania em relação a outras adições, características ou não, da contemporaneidade?

O primeiro número de Pharmakon Digital fortaleceu o enlaçamento da jovem Rede TyA-Brasil com a sólida Rede TyA-Argentina, com sua versão bilíngue, trazendo novos ares ao trabalho desenvolvido por colegas de outras Escolas da AMP. Já neste segundo número, a estrutura da Rede TyA, que acompanha os contornos do Campo Freudiano, tal como o desejou Judith Miller, seja na América, seja na Europa, é posta de relevo pela escolha dos autores convidados, oriundos de diferentes países do nosso Campo, homenageando o esforço de Judith Miller para fazer existir uma verdadeira Rede de investigação, que nos permite avançar na abordagem das toxicomanias, alcoolismo e outras adições, dentro da orientação lacaniana da psicanálise.

Partimos da Conferência de Lacan de encerramento às Jornadas de cartéis da Escola Freudiana de Paris, em abril de 1975, na qual Lacan avança uma definição até então inusitada: “a droga é o que permite romper o casamento com o pequeno pipi”. Esta Conferência de Lacan, onde está em pauta o parlêtre, correlato de uma definição do inconsciente a partir do furo, nos permite pensar a droga como aquilo que possibilita um rechaço mortal do inconsciente. Agradecemos a Jacques-Alain Miller pela autorização para publicá-la, assim como para republicarmos seu texto, clássico na Rede TyA, “Para uma investigação sobre o gozo autoerótico”. A partir de sua tese da experiência toxicômana como insubmissão ao serviço sexual, Miller propõe uma diferenciação entre o gozo da droga e o gozo homossexual, e finalmente, entre o gozo da droga e o gozo autoerótico, masturbatório, que não passa pelo corpo do outro, mas que assegura ao sujeito seu casamento com o pequeno pipi. Este último, que passa pelo gozo fálico e é compatível com a presença do outro imaginário na fantasia, nos permite pensar a especificidade da toxicomania que não passa pelo Outro, nem tampouco pelo gozo fálico. A partir dessas premissas, que orientam este número de Pharmakon Digital, cada autor tratará, à sua maneira, nossa questão.

Na Seção Entrevistas, quatro colegas – Oscar Reymundo, Pablo Sauce, Raquel Vargas e Natalia Andreini – respondem às duas perguntas formuladas, destacando o que, para eles, constitui o específico da fixação à droga. A genial idéia de Lacan que evoca o gozo toxicomaníaco com a figura “das cócegas à labareda” pode nos servir para pensar a diferença entre as adições, onde o falo ainda opera, e as verdadeiras toxicomanias.

Os textos temáticos mostram, de diferentes perspectivas, a especificidade da toxicomania, ou ainda, sua diferença com adições específicas. Como aponta Maria Wilma Faria, se na primeira impera a fixidez de um modo de gozo, nas segundas temos a repetição significante. Trata-se de saber de que substância falamos quando a droga se introduz no corpo, cuja substância é para Lacan “substância gozante”. Darío Galante ressalta a importância do termo parlêtre e do sintoma como acontecimento de corpo, para destacar os princípios éticos presentes em cinco axiomas, propostos por Jacques-Alain Miller, que nos orientam ao receber sujeitos hipermodernos, tais como os encontramos na clínica das toxicomanias. A figura do adicto nos serve como contraexemplo para destacar a especificidade do gozo do álcool ou da droga: Rodolphe Adam mostra como a figura do jogador permite diferenciar, desde Freud, os determinantes de um caso de adição daqueles de um caso de toxicomania, assim como Nelson Feldman, em um caso de adição à pornografia, revela suas determinações significantes. Por outro lado, Jean-Louis Aucremane apresenta um caso tratado institucionalmente que demonstra as coordenadas da escolha da droga e a direção do tratamento de um verdadeiro toxicômano. Eugenio Díaz mostra que a função da droga como bússola clínica permanece vigente, apesar das “neurociências do consumo” e das adições contemporâneas, enquanto Ana Viganó aponta como a “narcocultura” permite uma aproximação com a face mais obscura do objeto droga e sua satisfação alojada no corpo.

Na Seção Adolescência, Gabriela Dargenton e Cláudia Generoso compartilham sua prática clínica com crianças e jovens, e as aporias e invenções na direção do tratamento de pacientes usuários de drogas cada vez mais jovens, mais um desafio para a Rede TyA.

E finalmente, na Seção “Estética do Consumo”, temos a resenha, por Lilany Pacheco, do livro de Jésus Santiago, A droga do toxicômano, que será brevemente relançado entre nós, levando em conta o alcance e o atual horizonte clínico desenhado pelo ultimíssimo ensino de Lacan. A discussão exaustiva da tese de Lacan sobre a droga nos levará às diferentes possibilidades de coexistência ou exclusividade entre a forclusão do gozo fálico e a forclusão do Nome-do-Pai, abrindo novas perspectivas de investigação.

Agradecemos mais uma vez a Judith Miller, por haver sustentado a aposta do Campo Freudiano na Rede TyA, e a Jacques-Alain Miller, pelo apoio para publicarmos o texto de Lacan e o seu, pedras angulares para a clínica das toxicomanias. E finalmente, agradecemos a Mauricio Tarrab – cujo desejo nos orientou no desafio de retornarmos, de maneira decidida, à especificidade da toxicomania no vasto campo das adições – assim como aos autores que nos acompanham nesta empreitada.

Boa leitura!

Elisa Alvarenga
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