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A regulated use of the toxic
Epaminondas Theodoridis (Atenas, Grécia)
Psicanalista, Analista Membro da Escola (AME) da New Lacanian School (NLS) e da Associação Mundial de Psicanálise (AMP), Responsável pelo TyA na Grécia, Docente do Colégio Clínico de Atenas
Psychoanalist, Analist Member of the School (AME) of the New Lacanian School (NLS) and of the World Association of Psychoanalisis (WAP), Responsible of TyA in Greece, Teacher at the Clinical College of Athens
Resumo: A posição melancólica que frequentemente encontramos na psicose ordinária é ilustrada pelo caso clínico de um sujeito toxicômano cujo uso regrado da droga lhe permite continuar a levar uma vida de aparência normal.
Palavras-chave: toxicomania, psicose ordinária, posição melancólica.
Abstract: The melancholic position that we often find in ordinary psychosis is ilustrated by the clinical case of a drug addict whose regulated use of the drug allows him to continue to live a normal-like life.
Keywords: drug addiction, ordinary psychosis, melancholic position.
A relação da toxicomania e da psicose é um antigo debate clínico e não o abordarei aqui. É verdade que, em casos graves, o uso de substância tóxica pelo seu efeito devastador apaga as coordenadas subjetivas, mas eu suponho que o modo de uso e o papel da droga no funcionamento subjetivo podem nos esclarecer quanto à estrutura do sujeito. A psicose ordinária, introduzida por Jacques-Alain Miller, é uma categoria epistêmica que pode nos orientar no atendimento dos sujeitos toxicômanos. Quando não se trata nem de uma neurose, nem de uma psicose desencadeada com seus fenômenos extraordinários, delírio ou alucinações, podemos então supor o diagnóstico de psicose ordinária. É uma clínica pragmática de mais-ou-menos, de intensidade e de tonalidade, uma clínica onde nossos indicadores são os « pequenos índices da foraclusão » (Miller, 2010, p. 13). J.-A. Miller, nos incita a buscar sempre « a desordem na junção mais íntima do sentimento de vida do sujeito » e desenvolve os três registros, as três externalidades onde esta desordem pode se manifestar : externalidade social, corporal e subjetiva (Miller, 2010, p. 14-19).
Entre numerosos trabalhos no Campo freudiano sobre a psicose ordinária, a problemática desenvolvida por Sophie Marret-Maleval em seu artigo Melancolia e psicose ordinária (Marret-Maleval, 2011, p. 248-257), me ajudou a tornar inteligível a lógica do caso aqui apresentado. Ela aproxima o modelo de melancolia à psicose ordinária e sustenta que « a psicose ordinária mascara frequentemente uma posição melancólica podendo nos conduzir a pensar um fundo melancólico de toda psicose» (Marret-Maleval, 2011, p. 250).
O caso clínico
É um homem de quarenta anos, que, seguindo o conselho de sua esposa, pede um tratamento a fim de parar o uso da heroína, pois ele vai tornar-se pai. Ele começou a utilizar cannabis, ocasionalmente com seus amigos, e depois, logo após seus estudos universitários, começou a utilizar heroína, exclusivamente pela via nasal. A particularidade, desde o início, de seu uso, é a periodicidade. Ele se droga regularmente mais ou menos a cada vinte dias ou a cada dois meses, enquanto que no intervalo deste tempo ele se abstém. Seus pais nunca souberam de nada, ele queria a todo preço guardar aos olhos deles, a imagem de criança gentil e correta.
Seu pai, falecido há dois anos, encontrou para ele um cargo em uma empresa privada, sem nenhuma relação com seus estudos. Ele trabalha nesta empresa há doze anos e há pouco tempo ele ocupa um cargo de responsabilidade que não gosta. Ele faz este trabalho para ganhar a vida, se sente insuficiente, incapaz de exercer o mínimo poder. Filho único, ele teve que se enfrentar com um Outro materno « autoritário, brutal, vulgar, de personalidade explosiva, que não tinha noção de limites». Quando era criança, sua mãe batia nele e ele se escondia ou mentia para evitar as punições. Até agora ele descreve sua mãe como uma mãe-hiena, intrusiva, que não para de lhe pedir coisas, « ela me domina ainda, me culpabiliza», diz ele. Seu pai era um homem culto, militante sindicalista, dinâmico, mas bastante ausente da vida familiar.
O vazio existencial e o papel da droga
Desde a primeira sessão, ele explica que seu uso representa uma interrupção de sua vida cotidiana, « um corte com a realidade». Trata-se de fazer alguma coisa de diferente para ele sozinho, para se isolar de sua esposa, de seu trabalho, de seus amigos. Um mês após o nascimento de sua filha e dois meses após o início do tratamento, ele passa ao ato, ele se droga para acabar com a repetitividade do quotidiano e para preencher com a substância o vazio que sente. Este vazio, « este furo não se preenche nem com a filha, nem com o amor de minha mulher, nem com o meu trabalho», diz ele. Para este sujeito que passa a vida a se mostrar aos outros como um garoto gentil, a paternidade é uma questão, ele não sabe o que significa ser pai, « é um caminho desconhecido para mim», diz ele.
Desde sua infância ele teme tomar a palavra por medo da rejeição do outro. Ele se diz covarde, ele tem medo que o outro o reprima, lhe bata, por isso ele tenta ser amável ou passar desapercebido. Ele não tem confiança em si mesmo, se sente inferior aos outros, «eu cedo sobre meus desejos, é o outro quem dirige as coisas», ele confessa. Desde sua adolescência, duas ideias lhe vêm com frequência em mente: ideias suicidas e seu medo de tornar-se mendigo. Ele pensa em suicídio como meio de fugir do peso da existência, de sair do mundo, «de escapar da trivialidade do quotidiano» que o esmaga. Por « falta de coragem e por medo », ele nunca fez tentativa de suicídio, mas nos momentos onde sua existência torna-se um fardo e onde sua relação com os outros lhe pesam, ele recorre à droga para romper com todo o laço com o Outro. Se ele não tornou-se um junky, um andarilho, é porque ele não suporta este fracasso, que não corresponde à imagem ideal de um menino gentil que o sustenta.
A ideia de se drogar lhe vem sobretudo no local de trabalho ou no momento de tensão com seu superior, ou quando ele se aborrece: aí a necessidade de encontrar-se sozinho, se impõe. São momentos onde nada tem sentido para ele, ele se sente cansado de tudo, não tem nenhum desejo, nenhum gosto pela vida e cada dia lhe parece ser um «copiar-colar do dia anterior». Ao mesmo tempo o corpo é também afetado, «ele me abandona, sem forças, eu me sinto apagando», ele precisa. Nestes momentos ele não quer incomodar ninguém, a única coisa que ele quer é « tornar-se um com a substância» e então ele liga para o traficante.
Ausência subjetiva e a falta radical do desejo
É um sujeito muito lúcido sobre a sua posição na vida que ele resume bem nesses termos : «Eu não dirijo minha vida, eu a suporto, eu evito fazer coisas, me drogar é uma maneira de evitar as coisas, de não fazer nada, é minha própria recreação, é romper com o repetitivo onde eu me perco, porque estou ausente, me falta o desejo». Sua vida é marcada por esta falta de desejo fundamental. Ele começa as coisas com muito fervor e energia, mas na menor dificuldade ele abandona tudo, e então « só me resta me drogar para me autopunir, gozar de minha posição de não vale nada», diz ele. Continua a ir ao trabalho e a ajudar sua esposa em casa, mas esta o recrimina de ser indiferente, de fazer as coisas mecanicamente como se ele fosse obrigado a fazê-las. Ela aponta assim sua falta de desejo, o fato que ele não assume subjetivamente tudo o que faz.
A lógica do caso
Trata-se de um sujeito que aparentemente tem os traços da normalidade – ele estudou, fez o serviço militar, ele tem um trabalho estável, ele criou uma família-, mas com o uso regulado e discreto da droga. No entanto, as consequências da foraclusão do Nome-do-pai são observáveis no seu caso. Primeiramente, há uma fixidez do sentimento do vazio existencial. Ele é também ausente subjetivamente em tudo o que faz, não encontra sentido algum (externalidade subjetiva). Ele não pode assumir sua função social, nem dirigir sua vida (externalidade social). Correlativamente, lhe falta radicalmente a dimensão do desejo e do sentimento de vida, a roupagem fálica lhe faz falta. Ele não tem consistência corporal, seu corpo o abandona, ele « se apaga» (externalidade corporal).
Sua relação com sua mãe nos mostra a impossível separação com o Outro. Ele se coloca no lugar do objeto do Outro que é bem persecutório. Sua mãe o punia, lhe batia e ele se autopune « se batendo » com a heroína. Ele tenta sustentar sua existência por uma identificação imaginária, a imagem do menino gentil, que busca uma certa estabilidade frágil. Esta identificação é frágil pois assim que as exigências do Outro materno, profissional ou conjugal, o pressionam e que ele deve responder pela sua posição de sujeito, ele recorre à droga. Pelo uso da droga, ele rompe com a repetitividade do cotidiano, como ele o afirma, mas este consumo é submisso a uma outra forma de repetitividade. São os desligamentos periódicos do Outro. A droga é a tentativa desesperada de preencher seu vazio existencial e de se separar do Outro, mas no lugar de se separar ele torna-se um com a substância, se ligando à uma posição de objeto. Por não ter acesso à significação fálica, ele recorre ao gozo do tóxico para recuperar um pouco o sentimento de vida, é o « seu próprio recreio».
Diversos traços deste caso correspondem ao fundo melancólico de toda psicose, como Sophie Marret-Maleval desenvolve em seu artigo. Suas ideias suicidas, o sentimento de ser inferior aos outros, seu medo de tornar-se mendigo, gozar de sua posição do «não vale nada», reenviam à pane de tenacidade fálica assim como a identificação ao objeto dejeto (Marret-Maleval, 2011, p. 256). A dimensão da culpa e de autopunição estão igualmente presentes.
O tratamento, que durou quase dois anos, permitiu a ele espaçar o uso de heroína, ele usou somente cinco vezes. Ele jamais veio à suas sessões sob o efeito da droga. Mas à ocasião de sua mudança ele interrompeu seu tratamento. Esta passagem ao ato, esta « interrupção », corresponde desta vez ao próprio fato de parar o uso. Estava ele verdadeiramente decidido de interromper o seu uso ? Manifestamente não, e podemos supor que este uso regulado da droga permitia a ele, apesar de suas grandes dificuldades, continuar a levar uma vida de aparência, de fato, normal.