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Marie-Françoise de Munck e Éric Taillandier, com Gloria Aksman, Nelson Feldman, Ève Miller-Rose, Fabián Naparstek, Nadine Page, Giovanna Quaglia e Pierre Sidon
O aforismo de Lacan Todo mundo é louco, quer dizer, delirante[1], adotado como tema do XIV Congresso da Associação Mundial de Psicanálise, nos tornou sensíveis ao que quer dizer delirar de acordo com a orientação lacaniana. Mais além de qualquer consideração sobre o que é normal ou patológico, delirar é próprio ao ser falante, ao parlêtre. A cada um sua janela para o real, sua ficção, sobre um fundo de impossível de se servir inteiramente do que pulsa em si e transborda numa relação ao parceiro. Essa desarmonia implica um resto fora de sentido com o qual temos que compor. Frente à angústia suscitada pelo excesso de gozo no corpo e o enigma do desejo do Outro, alguns constroem um delírio em sintonia com os discursos herdados ou em voga, ou sonham sua vida em nome de um ideal. Quando não há recurso a nenhum discurso que faça conexão, outros se confrontam com um real invasivo, com o risco de romper com qualquer tentativa de sutura significante.
Os participantes da rede TyA, tanto em instituições quanto em consultórios, prestam atendimento a sujeitos que adotam essa posição mais ou menos radical de ruptura. A experiência toxicômana « não é […] uma experiência de linguagem, mas ao contrário o que permite um curto-circuito sem mediação »[2], nos indica Jacques-Alain Miller. « A droga aparece como um objeto que concerne menos ao sujeito da palavra que ao sujeito do gozo, na medida em que ela permite obter um gozo sem passar pelo Outro »[3], ele continua.
A prática contemporânea do chemsex ressoa particularmente com esse enunciado que funciona como bússola. Tentar localizar o gozo no produto permite desubjetivar a relação sexual, mesmo fazendo uso do órgão. Mais ordinariamente, sabe-se que o consumo de tóxicos é banalizado quando se trata de festejar, com fins de desinibição subjetiva, favorecendo ocasionalmente o encontro dos corpos. O recurso ao tóxico seria então uma tentativa de sair dos impasses da fala, escapando assim da angústia de castração, do enigma do desejo do Outro, em benefício de um outro tipo de gozo? Se o delírio é universal pelo fato de que falamos, então: delirar ou intoxicar-se?
A diversidade dos usos de drogas, sejam eles regulados ou desenfreados, nos ensina sobre as diferentes maneiras de não consentir com a fala, e portanto com o delírio. Trata-se de favorecer um gozo louco, ilimitado, deixando o corpo à deriva, desencaixado do Outro? Ou de localizar um gozo de acordo com amarrações específicas, permitindo restaurar certos apoios do sujeito para manter-se no laço social? Nessa perspectiva, o consumo de drogas está inserido em uma trama significante, como um esforço de nomeação ou de construção simbólica? Ele recobre um fenômeno alucinatório, para limitar seu efeito devastador? Ele dá consistência a uma identificação mais aceitável no plano imaginário? Em que ele responde ao sentimento de vazio interior, ou mesmo ao real traumático?
Se a aposta na transferência do toxicômano à psicanálise consiste em trocar, minimamente, o uso de drogas pela fala, trata-se então de engajar o sujeito toxicômano a se sustentar em uma forma de delírio que reate com um laço social mais compatível com a vida?
Pharmakon Digital publica os textos das intervenções do Colóquio internacional de TyA sobre “Delírio ou tóxico”, às vezes afinadas no après-coup das discussões que aí aconteceram. Frutos de um trabalho no interior de diferentes grupos da rede TyA, eles contribuem para esclarecer nossa prática com os “fissurados desconectados”, a posta em questão da vontade das políticas de saúde pública de “ablação do delírio e do tóxico” e uma abordagem que poderia ser, mais modestamente, de “sustentar um delírio e subtrair tóxico”. Estes textos, precedidos de uma conversação de abertura, compõem a primeira parte, seguida por um texto de orientação de Jacques-Alain Miller, “A droga da palavra”.
A segunda parte desse número 5 convida, por uma primeira seleção de extratos de textos por iniciativa de Tomás Verger, a colocar a trabalho, desde agora, o tema do próximo Congresso da AMP: “Não há relação sexual”, na rede TyA do Campo freudiano. Lembremos que os grupos TyA acolhem de bom grado novos participantes que se interrogam sobre sua prática junto a adictos, toxicômanos ou alcoólatras e desejam contribuir à pesquisa. Como operamos a partir desse aforismo de Lacan, “Não há relação sexual”, em nossa prática? As tentativas de responder a isso, ou de não responder, que os sujeitos buscam no consumo de drogas ou álcool, o que nos ensinam?