Perspectivas de uma elaboração coletiva na clínica com toxicomanias

Perspectivas de uma elaboração coletiva na clínica com toxicomanias

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Fabián Naparstek (Buenos Aires)

Partimos do aforismo de Lacan, e o colocamos em tensão com o tóxico. A partir disso, oito grupos da rede internacional TyA do Campo Freudiano, distribuídos em diferentes lugares do mundo, apresentaram suas elaborações. Fundamentalmente a partir da prática clínica que realizam no dia a dia. O par delírio – tóxico foi apresentado desde diversas perspectivas.

No prólogo, os colegas de Paris afirmam que se alguém delirasse o suficiente, não haveria necessidade do consumo. Eles dão a entender que há, cada vez mais, um consumo ordinário, uma droga para ser normal. Com efeito, se monta o par entre todo mundo é louco e um consumo que procura uma droga para ser normal. No trabalho que nos trazem os colegas argentinos – o texto intitulado “Tóxico ◊ delírio” – a oposição se estabelece entre o silêncio da intoxicação e a cadeia significante que é necessária ao delírio.

Por sua vez, se desprende rapidamente um novo par entre intoxicação e abstinência.  Novamente a clínica nos leva a dianteira e mostra a necessidade da prudência até que se diagnostique a função que tem a droga para cada sujeito. Os colegas de Barcelona nos lembram que interromper o consumo pode desencadear um delírio, mas também que o consumo pode provocar o delírio. Nesse sentido, o texto “Abstinências e delírios”, dos colegas da Argentina localiza o valor de uma abstinência sob transferência, onde o caso R. desenvolve um delírio edípico e estabelecem uma diferença com o caso L., no qual o consumo de cocaína supõe a capacidade de “não sentir nem escutar as bruxas”. Nesse último caso, haveria uma abstinência imposta que deixaria o sujeito sem essa capacidade, ao menos até que encontre uma alternativa melhor para não escutar essas vozes. De um lado, uma abstinência que permite uma nova resposta e do outro, uma intoxicação que aparece como um tratamento encontrado pelo próprio sujeito. É o que propõem os colegas de Barcelona, onde o consumo para o sujeito apresentado tinha a função de tratá-lo frente ao “Ai!” constante do corpo. Se desprende assim a necessidade de localizar o uso singular que cada sujeito pode fazer, tanto da intoxicação, como da abstinência. Trata-se da “variável x”, como foi lembrada em várias oportunidades neste colóquio, fazendo alusão ao trabalho de Ernesto Sinatra sobre o conceito de adixões[1].

Por outro lado, se soma também o par conexão e desconexão com o laço social. Par utilizado pelos colegas do Brasil no texto “Tóxico & delírio: amputar a voz do Salvador ou servir-se dela?”. A droga pode ser aquilo que viabiliza uma conexão com o Outro ou aquilo que desconecta. Vê-se na orientação dos diferentes casos a procura de uma conexão com o Outro e com o próprio corpo que seja suportável para cada sujeito. No texto que acabo de mencionar “a figura do compositor poderia ser uma discreta invenção que funciona como enganche ao Outro social”.   Os colegas do Brasil que apresentam “Do beber ao bebê – uma ficção sob transferência”, também se perguntam sobre “a possibilidade de tecer uma forma de delírio que reestabeleça um laço social mais compatível com a vida”.  Neste sentido, no caso apresentado pelos colegas de Rennes, o sujeito “Matrixado” precisa desligar-se do pensamento, porém, não ficar totalmente solto do Outro. Por sua vez, no caso que apresentam os colegas de Bruxelas o sujeito diz com todas as letras: “quatro anos sóbrio e o social tinha se tornado ainda mais difícil”. Nesse sentido se perguntam se o ideal de ajudar aos demais, sua identificação imaginária ao “bom técnico” poderia funcionar “como um delírio ordinário que o enganche ao Outro” de uma nova maneira.

Quero destacar também o par da prática da intoxicação e algumas práticas sexuais. Em um caso o consumo serve para liberar-se do “mórbido que carrega consigo” (“Tóxico ◊ delírio” – Argentina). Nesse caso, trata-se de um consumo que tenta desprender-se do insuportável do sexual. Mas, também se menciona no argumento e no trabalho dos colegas de Paris o chemsex. Uma prática sexual “sob influência” – se me permitem a expressão – que empurra para o sexual estendido no tempo e tenta burlar a alternância fálica, que sempre supõe uma limitação. Com efeito, se a droga é o que permite a “insubordinação ao sexual”, como afirma J-A. Miller, a época atual empurra a uma prática sexual – sob influência – que pudesse não ter limitações. Uma nova maneira de insubordinação sexual. De fato, a ciência procurou uma pílula para a disfunção sexual da ereção e a primeira surpresa dos laboratórios foi que os jovens a usavam para poder sobrepor a alternância própria do fálico, para poder manter indefinidamente o sexual.

Finalmente me detenho no último parágrafo do texto de Bruxelas no qual o analista afirma, a respeito do caso apresentado, o seguinte: “geralmente, quando tem tendência a perder-se em seus excessos, minhas intervenções apontam a colocar limites a um gozo que transborda. Quando a morte se converte na última saída, escuto sem dar consistência ao que diz e, sobretudo, marco um horário para vê-lo novamente. Às vezes lhe dou conselhos e o incentivo a realizar determinadas gestões administrativas ou esportivas. Confirmo ter recebido suas mensagens escritas e às vezes respondo a elas”. Este parágrafo mostra o analista de orientação lacaniana – que como dizia Lacan, é o mais livre em sua tática – que está totalmente disposto a fazer a intervenção que cada caso e cada momento do tratamento mereça.

Mas este Colóquio TyA mostra também que há uma elaboração coletiva que tenta pensar uma clínica muito precisa, que segue uma estratégia e que tem uma política. Uma elaboração coletiva que começou entre alguns poucos faz muito tempo – mais de 30 anos – com a orientação de Jacques-Alain Miller, que hoje segue de maneira ininterrupta em uma comunidade cada vez mais numerosa e que nestes anos segue atualizando-se. Espero que, dentro de dois anos, o Congresso da AMP em torno do tema “A relação sexual não existe” seja a oportunidade para que o TyA volte a reunir-se em forma presencial para continuar nosso trabalho.

Quero agradecer a cada um dos autores dos trabalhos apresentados, aos colegas da tradução – Tomás Verger, Catery Tato, Jorge Castillo, Tomás Piotto, Fernanda Turbat, Daniela Dinardi, Elisa Alvarenga, Giovanna Quaglia, Maria Wilma Faria, Cláudia Generoso, Cláudia Reis, Marie-Françoise de Munck, Wendy Vives Leiva, Violaine Clément, Pablo Sauce, Cassandra Dias – e também agradecer aos colegas da Comissão organizadora deste evento : Pierre Sidon, Nadine Page, Nelson Feldman, Marie-Françoise de Munck, Éric Taillandier, Gloria Aksman, Giovanna Quaglia, Elisa Alvarenga, Alejandro Góngora, Anne Poumellec, e especialmente o trabalho de Éve Miller-Rose.

 


[1]  Sinatra, E., Adixiones, Buenos Aires, Grama, 2020.
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